Soft & Quiet (EUA, 2022) – Beth de Araújo

★★★★1/2

“(...) os verdadeiros nazistas comandam sua escola / eles são técnicos, empresários e policiais / em um verdadeiro quarto reich você será o primeiro a ir”. Este trecho da clássica canção punk Nazi Punks Fuck Off do Dead Kennedys se encaixa com perfeição no conceito de Soft & Quiet, que não tem nada de ‘Soft’ e muito menos de ‘Quiet’ – Obs.: é preciso deixar claro que a canção supracitada NÃO está no filme, citei apenas para ilustrar minha explanação pobre. E já avisando meus dois ou três leitores que o texto terá alguns spoilers.

E no apagar das luzes de 2022 que surge este soco definitivo, um recorte perturbador sobre discurso de ódio. Marcando a estreia na direção de Beth de Araújo, nascida nos EUA, de pais brasileiros, o filme trás um tema relevante.

O filme começa acompanhando a protagonista Emily (Stefanie Estes), uma professora do jardim de infância, loira e magra, que está para se reunir com algumas amigas, e amigas das amigas, em uma reunião em um pequeno salão paroquial.

Quando as mulheres se juntam a primeira surpresa surge quando Emily mostra a torta que levou para a reunião, enfeitada com uma suástica! Logo a reunião se revela um ninho de neofascistas, com a mulherada branquela divagando, dando seus depoimentos pessoais contra imigrantes, negros, judeus, feministas... uma das mulheres inclusive, que está grávida do quinto filho, revela que seu pai foi presidente interino da KKK de Nebraska, e que ela se criou naquele meio.

Quando o padre da paróquia, que provavelmente não sabia do conteúdo da reunião das moças, as expulsa, com ameaça de denunciá-las, algumas vão embora, mas outras resolvem continuar a reunião na casa de Emily.


No caminho param na loja de Kim (Dana Milican), uma das mulheres da reunião. Lá encontram duas irmãs imigrantes (interpretadas por Melissa Paulo e Cissy Li), que já tinha problemas passados com Emily.

Para dar um susto nas irmãs, Emily, com a ajuda relutante de seu namorado (Jon Beavers) e de suas amigas, partem para a casa das imigrantes, no intuito de lhes roubar o passaporte, mas as donas da casa aparecem e viram refém daquele grupo de domésticas enlouquecidas, e a coisa sai do controle completamente. Com torturas, abusos e que terminará, obviamente, de forma trágica.  

O filme todo teria sido rodado como take só, à moda de Festim Diabólico de Hitchcock (embora esse tenha sido realizado em takes, disfarçados pela montagem), o que exigiu um tour de force não só da fotografia e do elenco, que está fantástico. Eles teriam rodado todo filme quatro vezes, até chegar ao resultado final. Bom, pelo menos é o que divulgaram.... 

A segunda metade do filme, quando as mulheres invadem a casa das irmãs, parece que estamos num Laranja Mecânica disforme, onde uma residência não é atacada por jovens delinquentes, mas por uma professora, uma pequena empresária, uma dona de casa, etc... enfim, por ‘cidadãs de bem’, e quem acompanha as notícias no Brasil e nos EUA nos últimos anos, sabe que isto é tão plausível e mais assustador que qualquer filme de fantasmas e demônios.

Do grupo de mulheres, a mais cruel se revela uma ex-presidiária (Olivia Luccardi), que entrou no grupo por ser uma funcionária de Kim.

Esta variação do subgênero home invasion também nos remete ao trabalho do austríaco Michael Haneke e seu Violência Gratuita.

Com uma trilha sonora usada com inteligência e uma maestria na condução, Beth de Araújo mostra uma direção segura, onde nos pega pela mão e nos leva até o inferno. Com momentos angustiante e insuportáveis de tensão, impossível não sentir um desconforto e desprender a atenção do que está acontecendo.

O único senão fica para a cena final, implausível e parece ter sido colocado para uma concessão, mas isto é apenas um pequeno detalhe.

Impactante e brutal. Com um tema atualíssimo, trazendo suas dondocas nazistas, Beth de Araújo se revela um nome a se prestar atenção. Um dos grandes filmes do ano. Tão repulsivo quanto necessário.



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