Kujira Gami / Killer Whale / The Whale God (Japão, 1962) – Tokuzô Tanaka

★★★1/2

Embora inspirado em um romance de Koichiro Uno, este obscuro Kujira Gami (literalmente Deus Baleia) é uma variação da clássica história de Moby Dick de Herman Melville. Dirigido por Tokuzô Tanaka, que começou a carreira cinematográfica como assistente de direção de obras-primas como o Rashomon de Akira Kurosawa e Contos da Lua Vaga de Kenji Mizoguchi, para depois criar obras como A Mulher da Neve e alguns filmes da série Zatoichi, entre outras maravilhas. O roteiro foi escrito pelo Mestre Kaneto Shindô, que depois dirigiria clássicos absolutos do terror nipônico como Onibaba – A Mulher Demônio e O Gato Preto. Com essas credenciais, como resistir a esse filme?

Sazonalmente, nos mares de uma praia onde vivem uma comunidade de pobres pescadores, uma enorme baleia franca (portanto preta e não a cachalote branca de Moby Dick) resolve dar seus rolês por lá. Cobiçada pelos baleeiros locais, que tentam em vão caça-la e acabam invariavelmente mortos, o animal ganha no vilarejo a alcunha de ‘Deus Baleia’.

No começo, vemos um grupo de baleeiros, liderados por um velho, em seus barquinhos frágeis, indo enfrentar o enorme cetáceo, que derruba as pequenas embarcações como se fossem de papeis, e o velho morre.

Na cena seguinte vemos um homem barbudo jurar aos berros, diante do mar, que matará a baleia para vingar seu pai (o tal velhinho). ‘Opa! Aí está o protagonista!”. Porém, na cena seguinte vemos este mesmo barbudo, em um dos barcos. A baleia vai lá, e novamente derruba os barcos, e o barbudo morre.

Logo depois temos uma idosa desdentada, acompanhada de crianças, jurando vingança – óbvio que ela espera que uma das crianças cresça e destrua a baleia. Nisto o tempo passa e um jovem promete acabar com o Deus Baleia, responsável pela morte de seu pai e avô. Você pensa: ‘agora sim, este é o protagonista!’ Certo? Errado. O cara vai, com sua turma, nos barquinhos e... derruba os barcos e o jovem morre!

Em menos de dez minutos de filme vemos a baleia matar três gerações! Daí você pensa: “Catzo! O filme vai ficar neste looping?” É aí que o filme, depois deste começo intenso e agitado, dá aquela acalmada para estabelecer a história, e somos apresentados ao verdadeiro protagonista: o jovem Shaki (Kôjirô Hongô), o último da família, que fica obcecado em matar a baleia que matou seu avô, pai e irmão mais velho.

Entra em cena o ancião da aldeia (Takashi Shimura, o ator que mais trabalhou com Akira Kurosawa (Viver, Os Sete Samurais, Rashomon, etc)), um velho samurai e baleeiro, que também obcecado em destruir o Deus Baleia. Ele oferece a quem destruir o animal: suas terras, seu nome e sua filha.

Nosso protagonista Shaki só quer vingança, e despreza os prêmios oferecidos pelo velho, já o resto da aldeia almeja a riqueza e a filha do ancião, especialmente KIshu (Shintarô Katsu, o Zatoichi em pessoa! Aqui no papel vilanesco). Brigão, bêbado e mau caráter, Kishu quer disputar com a Shaki a responsabilidade pela morte do monstro. Shaki é movido pelo sentimento de vingança, Kishu, por ganância.

Considerado no Japão como um tokusatsu do subgênero daikaiju eiga (filmes de monstros gigantes0, aqui no oriente poderia ser considerado como um precursor do chamado horror animal, como o Moby Dick (1956) de John Huston. Na verdade a baleia só dá as caras nos minutos iniciais e no clímax finais, com direito a Shaki e Kishu se pendurarem no dorso do animal. O resto do filme se ocupa dos conflitos dos personagens, no período de um ano, com Kishu violentando a pobre aldeã que é apaixonada por Shaki (interpretada por Shiho Fujimura de A Mulher da Neve). A menina engravida, e é o jovem Shaki que resolve adotar a criança. Também temos o melhor amigo de jovem pescador, cujo pai também morreu na caça ao Deus baleia, que decide largar tudo de mão e ir para Nagasaki, cursar medicina, enfim, ter uma vida normal e abandonar a obsessão louca que tomou conta da aldeia. É interessante notar que embora o filme se passe numa época indefinida, a aldeia de pescadores é marcada pelo cristianismo, com direito a um padre local, interpretado por um ator ocidental não creditado.

Os efeitos da baleia são práticos e eficientes para a época, reza uma lenda que a produtora construiu um enorme modelo mecânico de baleia com 30 metros, ao custo de oito milhões de ienes, mas que não se movia. Acabaram usando um modelo menor, de apenas 5 metros, que é o que vemos saltando na água. O modelo de 30 metros foi usado nas sequências que os atores se penduram no bicho. De qualquer forma o resultado é bem satisfatório, ajudado pela fotografia em preto-e-branco. 

Interessante notar que ao contrário do Tubarão de Spielberg, que era caçado após incluir banhistas em seu cardápio, a monstruosa e aparentemente imortal baleia aqui, nada de boa no litoral, e só mata pescadores após ser atacada pelos mesmos. Pura idiotice antropocêntrica.

Visto hoje Kujira Gami é tão ecologicamente incorreta quanto o clássico de Herman Melville, o que ainda não impediu que este último seja um clássico absoluto da literatura, na verdade, tanto este filme quanto o livro, vão além da simples caçada a um animal, fazem deste ato algo simbólico, que expõe as fraquezas e obsessões humanas.

Tecnicamente eficiente, com bom elenco e um desenho interessante de seus personagens, Kujira Gami merece ser descoberto. 




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