Perseguidor Implacável (Dirty Harry, EUA, 1971) – Don Siegel

★★★1/2

Eis o suprassumo do cinema macho man, com um (anti?)herói solitário que age às margens da lei, seguindo rigidamente sua ética própria, tal qual um pistoleiro rebelde do velho oeste, estou falando ‘Harry, o Sujo’.

O filme também é o suprassumo do cinema reacionário, direitista e fascista. Do ‘bandido bom é bandido morto’. Capaz de fazer velhinhos carolas ejacularem nas calças.

A trama é de uma simplicidade franciscana. Um maníaco homicida, que se autointitula Scorpio (Andrew Robinson de Hellraiser, estreando no cinema) está tocando o terror na cidade de San Francisco. Matando pessoas e mandando cartas desaforadas para a prefeitura no intuito de extorquir dinheiro, caso o contrário, continuará a matar.

Porém Scorpio arranja uma pedra no sapato do tamanho de um meteoro: o incansável e, como diz o título brazuca, implacável inspetor Harry Callahan (Clint Eastwood), que pretende capturar o psicopata, nem que para isso atropele todas as leis possíveis.

Munido de sua arma Magnum 44, ‘Dirty Harry’, como é conhecido na delegacia chega a capturar efetivamente Scorpio, depois deste sequestrar uma garota de 14 anos – que mais tarde ficamos sabendo que aquela altura, já estava morta. Mas como Harry ignorou frescuras constitucionais como mandato de busca e tortura de suspeito, nosso vilão logo está nas ruas de novo.

Callahan aproveita suas folgas do departamento para ficar na cola do vilão, é aí que Scorpio arma uma farsa para desmoralizar Harry e, por tabela, toda a força policial. O bandido paga para que um homem o espanque e vai para a imprensa acusar nosso protagonista.

                               Harry levando mais uma mijada de seu chefe.

Depois de todos os imbróglios, chegamos ao clímax, quando Scorpio, no auge de sua insanidade, sequestra um ônibus escolar e Harry, ignorando seus superiores burocratas, parte pro ou vai ou racha com o vilão.

Realizado no limbo dos anos 70, onde a esquerda experimentava o amargo sabor de ‘o sonho acabou’ com a falência dos hippies -sobretudo depois das atrocidades da família Manson e da morte de vários ídolos de overdose de drogas, por outro lado a direita sentia o desgosto da desastrosa campanha do Vietnam, uma decepção grande, não ao ponto de invadir o Capitólio ou juntar aposentados de fronte aos quartéis, mas ainda assim uma decepção. Embora historicamente os EUA só entregaria a toalha na guerra em 1975, e o escândalo Watergate só aconteceria um ano depois, Dirty Harry já refletia um desencanto com as instituições. Nosso protagonista é mostrado como um pária entre os seus, praticamente um fora-da-lei dentro lei, por mais paradoxal que seja. Onde as leis só servem para aliviar os criminosos e atrapalhar o passatempo favorito de nosso protagonista: que é meter bala na bandidagem.

Claro que todo esse discurso maniqueísta e raso só afundaria o filme se este não contasse com duas peças chaves; Don Siegel e Clint Eastwood. Curiosamente anos depois a dupla faria um dos melhores filmes sobre fuga de presídios, Alcatraz – Fuga Impossível (1979), onde Clint Eastwood interpreta com carisma e simpatia o criminoso real Frank Lee Morris.

Vale lembrar que o vilão Scorpio foi inspirado no serial killer Zodíaco, que nunca foi pego, e que mandava cartas para a imprensa ironizando a força policial e que, entre suas ameaças, prometeu sequestrar um ônibus escolar com crianças, o que de fato não ocorreu, mas que serviu de inspiração para o clímax aqui.

Dirty Harry foi um projeto quase morto, que passou por vários roteiristas, como, por exemplo, Terrence Malick e John Milius – reza a lenda que foi o diretor de Conan, o Bárbaro que criou a linha de diálogo mais icônica do filme, quando Harry aponta a arma para um assaltante de bancos negro, já abatido no chão, e solta a famosa frase "Do I feel lucky? Well, do ya, punk?”.

O papel quase foi de Frank Sinatra, que tinha machucado o pulso antes e recusou. Outros atores, como Burt Reynolds e paul Newman, recusaram pela violência e tom direitista. Entre os diretores, Irvin Kershner foi um que caiu fora.

Don Siegel, mentor de Sam Peckinpah (OK, neste caso acho que o pupilo superou o mestre), mostra toda a sua maestria em contar uma história. Desde o começo do filme, após uma rápida imagem de um memorial, e dedicatória aos policiais mortos em ação, quando temos a imagem do silenciador do fuzil de Scorpio em primeiro plano, e o cabelo esvoaçante do assassino em um segundo plano desfocado (Siegel numa óbvia autorreferência ao seu ótimo Os Assassinos (1964)), mirando em uma moça que nada languidamente em uma piscina em uma cobertura, já somos fisgados imediatamente. Tudo embalado pela icônica trilha de Lalo Schifrin. 

Por mais tosco e grosseiro que seja a mensagem, é difícil não torcer para Harry quando ele está pronto para interceptar o ônibus escolar sequestrado pelo vilão.

Clint Eastwood construiu um Dirty Harry icônico, com sua cara de poucos amigos e fala em meio tom, sem nunca levantar a voz, coisas que ele trouxe da Itália, de seus filmes com Leone, se tornou o modelo do personagem durão bad ass.

Seja como for, Dirty Harry foi seminal dentro dos filmes de ação policial, impossível pensar em filmes como Stallone Cobra, Máquina Mortífera, toda a filmografia do Chuck Norris, os polizieschi italianos e mais uma tonelada de etecéteras sem este filme. Sem contar que ainda teve mais quatro continuações.

Por mais raso, simplório e moralmente repugnante que seja, ainda assim é uma peça de ação que nos captura com seu carisma. Um clássico incontestável do cinema brucutu.


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