Comando do Crime (Quelli che Contano / Cry of a Prostitute, Itália, 1974) – Andrea Bianchi

★★★

Na virada dos anos 60 para 70, o cinema italiano descobriu um novo filão, o chamado polizieschi, também conhecido como poliziotteschi, que eram filmes policiais que aproveitavam o r5astro de sucessos americanos como Bullit, Dirty Harry, O Poderoso Chefão, Operação França, Desejo de Matar, etc. Claro que esses rip-offs italianos apertavam ainda mais o pé no acelerador, potencializando a níveis estratosféricos elementos discutíveis da matriz yankee como a violência, a misoginia, a truculência, o fascismo policial. Todo esse sensacionalismo, é claro, para atrair o espectador médio.

O diretor sem noção Andrea Bianchi, (ir)responsável por ‘clássicos’ como o giallo bagaceiro Nua para o Assassino (1975) e Noite do Terror (Burial Ground, 1981) talvez o melhor dos piores filmes de zumbis de todos os tempos, resolveu fazer seu polizieschi, num nível ainda mais brutal, baixo e vulgar do que a média casca-grossa da época. Quelli che Contano possui elementos tão desgracentos que poderá perturbar olhos mais sensíveis e, com certeza, nem seria filmado hoje em dia, na era do cancelamento.

O filme começa com uma família voltando de viagem, retornando para a Itália. O pai vai na frente dirigindo, enquanto a mãe senta atrás, com o filho no colo, este aparentemente doente. O carro sofre um acidente onde todos morrem, o pai inclusive é decapitado. Chegando no necrotério se descobre que a criança não só já estava morta antes do acidente, como carregava um carregamento de drogas costurado dentro da barriga.

Nota: isto me fez lembrar de um vídeo antigo que rolava por aí, obviamente fake, de uma ‘fábrica’, onde cadáveres de bebês andavam numa esteir5a, enquanto funcionários colocavam drogas dentro de suas barrigas , limpas de entranhas, é claro, para depois costurar. Tal ideia horripilante seria mostrada também em Inferno in Diretta (1984) do também sem noção Ruggero Deodato.

O fato que utilizar o cadáver de uma criança para o tráfico de drogas é uma infâmia até para os capos da máfia italiana. Os chefões chegam a conclusão que o responsável por essa monstruosidade é Don Ricuzzo Cantimo, ‘o americano’ (Fausto Tozzi), um chefe de uma ‘família’ que comanda o tráfico de drogas em um pequeno e miserável vilarejo na Sicília, e que ganhou esse apelido após morar vários anos nos EUA. Para acabar com o mafioso inconveniente é designado Tony Aniante (Henry Silva), um matador da máfia, que também morou nos EUA (de onde foi expulso, aliás), que se mostra implacável e psicótico, e que anuncia sua chegada com um assovio sinistro, antes de meter bala em seus desafetos.

Aniante chega na cidade e trava relações com Don Cascemi (Vittorio Sanipoli), o rival local de Don Ricuzzo. Na verdade Tony Aniante segue a cartilha de Por um Punhado de Dólares e Yojimbo, com jogadas aparentemente dúbias, coloca uma família mafiosa contra a outra. Neste interím, nosso protagonista assassino conhece Margie (Barbara Bouchet, no auge da beleza), a esposa de Ricuzzo, que ele trouxe dos EUA. Ela é uma ex-prostituta que resolve arrastar sua asa para o lunático Tony, que numa ocasião a violenta, com a moça agarra a um cadáver aberto de um porco pendurado, em outra situação, ele espanca a moça até ficar desfigurada. O grau de niilismo aqui é tão grande que o que mais chega perto de ser um (anti)herói é na verdade um cretino misógino. Por fim, Amiante cria uma guerra entre as ‘famílias’ com cadáveres para todos os lados.

Ainda há uma subtrama Romeu e Julieta em que o sobrinho de um dos chefes se apaixona pela filha do outro chefe, totalmente descartável. Tony Amiante é perturbado por lembranças, em um flashback em preto-e-branco que vai dar um plot twist final.

Lançado na Itália como Quelli che Contano – que em português é algo como Os que Importam – título que os distribuidores norte-americanos acharam ameno demais, então inventaram o chamativo e sensacionalista Cry of a Prostitute, dando destaque no cartaz para o rosto de Barbara Bouchet machucada, aqui no Brasil saiu como Comando do Crime. Aliás, a entrada da atriz no filme dando um banho de lite em sua pele, é memorável. 

Quanto a truculência do filme, dá para citar em que uma cena, após balear dois desafetos, Tony, para garantir que os caras estão mortos, passa um trator por cima deles! E tem até o corpo de um cadáver sendo cortado com uma serra fita, dessas de açougueiro.

Henry Silva, com sua cara de mármore, dá a dimensão exata para seu personagem lacônico e brutal

Infame, grosseiro, ofensivo, desprezível e perturbador, Quelli che Contano não é para estômagos fracos e ânimos sensíveis. Canceladores mantenham distância. Apreciadores do exploitation mais insano e grotesco, irão se deleitar.



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