Pinóquio (Guillermo del Toro's Pinocchio, EUA/México/França, 2022) - Guillermo del Toro, Mark Gustafson

★★★★

Guillermo del Toro é uma espécie de novo Tim Burton.  Veja bem, faço essa afirmação sem juízo de valor, sem desmerecer ou engrandecer nenhum dos dois, apenas destacando pontos em comum, em especial dois fatores que se destacam ao meu ver.

Os dois buscam suas assinaturas em estéticas próprias – ainda que Burton seja mais escuro e de cores frias, enquanto del Toro seja mais colorido, ambos bebem nas mesmas fontes: o vintage, o gótico, a cultura pop e o horror. Ambos também mostram um carinho especial pelos ‘diferentes’, os freaks sociais – OK, neste ponto o mexicano é mais politizado que o norte-americano.

Estas coisas não me saiam da cabeça enquanto assistia ao novo trabalho de del Toro, sua particular versão para a Netflix do clássico literário de Carlo Collodi Pinóquio, primeiro trabalho em stop-motion do diretor, que dividiu os créditos com Mark Gustafson, que já tinha dirigido alguns curtas de animação antes.

Aqui a clássica história do garoto de madeira construído pelo velho Geppetto, que ganha vida e cujo o nariz cresce toda vez que mente, é transporta do meados do século XIX, para a Itália fascista de Mussolini– uma ideia ousada, mas não exatamente original, Francis Ford Coppola, em entrevistas na década de 1990, dizia que seu sonho era fazer uma versão de Pinóquio que se passasse durante a Segunda Guerra Mundial.

Aqui o velhinho começa com um filho chamado Carlo (uma homenagem ao autor original Collodi), que morre em um bombardeio a uma igreja.

Alcoolizado, numa noite de tempestade, Geppetto constrói seu boneco numa cena que homenageia Frankenstein. O boneco ganha vida graças a uma espécie de fada.

A inocência do boneco-menino o leva a cometer inúmeras merdas, como trabalhar em um circo administrado por um tal Conde Volpe (que achei a cara do Donald Sutherland). Para desespero do Grilo Falante (dublado pelo Ewan McGregor), o inseto, com pretensões literárias, mora praticamente dentro de Pinóquio – com um quadro do rabugento do Arthur Schopenhauer e cheio de frases de efeito.

Pinóquio viaja pela Itália, tira uma onda com Mussolini em pessoa (a caricatura que o filme faz dele é muito boa), morre e ressuscita algumas vezes (muito divertida a concepção do além aqui, com sinistro coelhos jogando cartas, alguém falou em Alice no País das Maravilhas?) até parar no estômago de um monstro marinho.

Obviamente que o longa se afasta da versão pasteurizada da Disney de 1940 – que alías, que ganhou sua versão live action este ano também, pelas mãos de Robert Zemeckis, com seu chapa Tom Hanks como Geppetto, mas quem disse que tenho vontade de ver isso? Assim como também se afasta da obra literária, como supracitei, é uma versão personalíssima, o que não impede que acene, vez ou outra, para sua fonte literária e sua versão mais famosa.

Com uma visão sombria e melancólica, o filme trata de temas como vida e morte, aceitação das pessoas como elas são, anti-guerra e anti-fascismo, e se você acha que são temas pesados demais para crianças, abra os olhos, pois seu filho deve estar vendo uma pá de bosta, então entregue para ele um pouco de humanismo.

Tocante e emocionante, é um dos melhores, se não for o melhor, e mais equilibrado trabalho de del Toro, ainda mais depçois do meio decepcionante O Beco do Pesadelo (2021, que voc~e pode ler meu texto sobre ele aqui). 



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